segunda-feira, abril 14, 2025

Que se faça Justiça: «Em honra e louvor da “pior” escola que é uma “oficina de humanidade”»,

PÚBLICO, 14/04/2025, por José Matias Alves

Como profissional da educação há muitos anos e como investigador e autor com centenas de publicações científicas no campo da educação, não posso deixar de aqui expressar um profundo lamento a raiar a indignação em relação aos arautos das parangonas das dez melhores e das dez piores escolas. Considero quase um ultraje público este tipo de propaganda.

Tomo como referência a “pior” escola do concelho do Porto [lugar 630, segundo o Expresso, lugar 556 na ordem geral e 544 no ranking de superação, segundo o PÚBLICO] Para esta análise convoco John MacBeath e David Hopkins dois dos mais reputados especialistas internacionais e um livro em edição pela Câmara Municipal do Porto (no prelo) e que realiza um estudo empírico de cada uma das escolas públicas da cidade. A abordagem metodológica implicou um questionário administrado a professores e alunos, Grupo de Discussão Focalizada com lideranças intermédias, entrevista semi-estruturada ao diretor e partiu do pressuposto teórico dos autores em referência de que “cada escola [pode ser] uma grande escola”. Tudo depende das questões, dos óculos que usamos, do que queremos ver, observar, analisar e compreender.
Em honra e louvor da “pior” escola que é uma “oficina de humanidade”
O livro enceta uma viagem em torno do posicionamento das escolas a partir de dez variáveis: lideranças; equidade; relação com a comunidade; dinâmicas de acolhimento e integração; clima de escola; relação escola família; organização escolar; suporte ao ensino e aprendizagem; projetos pedagógicos; clima de sala de aula. A partir de uma incursão no terreno “foram construídos os mapas de positividade para cada um dos Agrupamentos estudados”. Para cada escola foi elaborado um mapa de cores ordenando as variáveis segundo o grau de frequência e recorrência. Como se reconhecia, “as imagens resultantes são certamente subjetivas, globais, impressivas. Mas não deixam de ser alimentadas pelos dados, pelos factos, pelas perceções e pelas evidências recolhidas em cada um dos Agrupamentos da cidade do Porto”.

No caso da “pior” escola, a metáfora que mais ressaltou do cruzamento de todos os dados era a de que a escola trabalhava para ser uma “oficina de Humanidade”, onde os valores olímpicos da excelência, da amizade, do respeito mútuo e do entusiasmo, o desenvolvimento de trabalho de projeto, a grande expressão de projetos Erasmus e o desenvolvimento de uma pedagogia da produção e da criação são os ingredientes básicos do lado mais solar da realidade.

E este é, provavelmente, o maior elogio que se pode fazer a uma instituição educativa. Neste tempo de caos e de ameaça, de competição desenfreada, de desregulação dos direitos básicos e do próprio Estado de Direito, a boa escola é a que educa seres humanos competentes, conscientes, comprometidos, colaborativos e criativos.

No caso concreto, resulta clara a centralidade das lideranças, a construção de projetos pedagógicos inovadores, e o foco na promoção da equidade. Segundo o seu diretor, “há três dimensões que fazem desta escola uma “boa escola”: a ação solidária e inclusiva, a pluralidade (e a singularidade) da oferta formativa e dos muitos projetos que cria, promove e dinamiza, e a criação permanente da comunidade, através de dinâmicas de escuta, reconhecimento e valorização do contexto social.”

Agindo num contexto social muito exigente interpelante, a escola elegeu o Desporto Escolar como a realização mais expressiva do Agrupamento, aproveitando infraestruturas de grande qualidade, usadas por 800 alunos inscritos, que praticam 15 modalidades e em que há campeões nacionais de ginástica artística. E outros signos distintivos passam pelo ensino articulado de música, a orquestra Orff, a prática regular de um currículo integrado e a prática profissional colaborativa.

Por sua vez, os alunos realçam o bem-estar físico e emocional, as relações pessoais, as boas instalações, o ambiente e o clima da escola. Todas são variáveis que tornam possíveis aprendizagens relevantes e significativas, não necessariamente medíveis em exames nacionais.

A grande diversidade de respostas confirma a tese de uma escola inscrita no seu território, aberta, preocupada e empenhada nas práticas de inclusão educativa, que faz do Desporto Escolar uma referência local e nacional, que torna fulcral a pedagogia oficinal da inclusão e da produção, que reconhece a centralidade das lideranças, designadamente as intermédias, como ativadores do fazer acontecer.

E estas são as razões e os sentimentos que me obrigam a denunciar e a escrever. Para dar voz e vez ao “outro lado”, aos bastidores de uma escola que não merece a cegueira dos rankings.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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