sexta-feira, fevereiro 25, 2011

«A crise e a educação que tem que ser mais do que ensino»

To think with ...

Nunca nada está já adquirido ...

In PÚBLICO - 25/02/2011

José Ribeiro Dias

«1. Verificamos hoje que a crise iniciada em 2008, à escala do mundo em que vivemos e no país que somos, alastrou do plano financeiro aos planos económico, social, político, cultural e ético, a ponto de hoje baralhar todas as coordenadas da nossa existência pessoal e colectiva.

Mas, como sempre acontece, a crise também comporta uma dimensão positiva ao impor, na sua análise, a exigência de uma tríplice perspectiva:

- actual no tempo: já não somos uma metrópole colonial nem sequer um país com plena autonomia, mas uma pequena sub-região da Europa, ela própria uma região do Mundo;

- global no espaço: a solução dos problemas financeiros nacionais que não fomos capazes de prevenir e resolver encontra-se hoje dependente das decisões da Europa, dos "negócios da China", das ameaças de intervenção do FMI;

- profunda na abordagem: não é através da resolução dos problemas financeiros e económicos que salvaguardamos os sectores cultural e moral, mas, pelo contrário, todas as outras dimensões da crise dependem da nossa atitude perante os princípios e valores que regem o comportamento humano ao nível da moral e da ética. Bastará reparar no facto de hoje, entre os gestores do mundo financeiro, haver uns na prisão ou em julgamento e outros merecidamente promovidos a lugares de responsável do FMI-Europa ou de director executivo da Lloyd"s.

2. Nesta encruzilhada, será útil recordar a reacção mundial a crises semelhantes do passado, como a de 1945.

Ao cataclismo provocado pela II Guerra Mundial (40 milhões de mortos), segue-se o esforço de reconstrução nos planos de natureza financeira, económica, social, política e, através da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no plano cultural e ético. O preâmbulo deste documento, ainda hoje pedra angular das constituições nacionais dos países democráticos, depois de evocar o reconhecimento da dignidade humana e dos direitos daí decorrentes como "fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo", afirma que o advento deste mundo dos valores "em que os seres humanos tenham a liberdade de falar e de crer, libertos do terror e da miséria", constitui a mais alta aspiração do homem", importa chegar sobre ele a uma "concepção comum", representa o "ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações".

E o preâmbulo termina com a afirmação peremptória de que "todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade" deverão procurar atingir esse ideal comum "pelo ensino e educação".

3. Deste modo, a educação aparece definida como o caminho a seguir para atingir o ideal comum do mundo dos valores, entendido nos termos do n.º 2 do art. 26: "a educação deve visar o pleno desenvolvimento da pessoa humana e o fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais".

Tal convicção vai estar na base do lançamento das "grandes reformas do sistema educativo" (décadas de 40 e 50), da emergência da educação de adultos (década de 50-60), da gestação dos conceitos novos de educação ao longo da vida, educação comunitária e educação ecossistémica (década de 70), a apontar os horizontes do futuro.

Para isso, a educação deverá hoje reestruturar-se no sentido: não apenas de cursos profissionais orientados para a angariação de meios de sobrevivência e produtividade (sectores financeiro e económico); nem mesmo apenas de um percurso de crescimento pessoal e desenvolvimento comunitário (dimensões social e política); mas, também e sobretudo, de processo que visa atingir a plena realização humana nos valores da dignidade, verdade, justiça, solidariedade (níveis da cultura e da ética). Até porque, somente vivendo de acordo com o mundo dos valores, se chega verdadeiramente a fazer parte do mundo dos homens e a saber rentabilizar o mundo das coisas.» Pedagogo, professor jubilado da Universidade do Minho

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