PÚBLICO
Editorial: O Nobel surpresa, os desafios e os riscos
10.10.2009 - 15h01 José Manuel Fernandes
Obama aceitou o Nobel da Paz, que reconheceu ainda não merecer, como um desafio para prosseguir e projectar a sua agenda internacional. Mas isso não chegou para acalmar uma polémica que está a dividir tanto apoiantes como adversários sobre a oportunidade do prémio
Talvez tenha sido Lech Walesa, também ele um antigo Prémio Nobel da Paz, quem tenha reagido com mais genuinidade ao anúncio da escolha de Barack Obama: “Quem? O quê? Tão depressa?”
Sem preocupações diplomáticas ou especiais estados de alma, o antigo operário dos estaleiros navais de Gdansk que dirigiu as greves que muito contribuiriam para o fim dos regimes comunistas e da Guerra Fria, colocou abertamente a questão: “não há dúvida que tem proposto coisas, que tem tido boas iniciativas, mas o que é que já conseguiu?”
Esta pergunta atravessou ontem tanto o campo dos fervorosos apoiantes de Obama, como o dos seus detractores. Tanto no inglês Guardian (esquerda) como no nova-iorquino Wall Street Journal (conservador), os inquéritos on-line, mesmo sem qualquer valor científico, apontavam para uma maioria esmagadora de respostas que ou consideravam que o prémio chegava “demasiado cedo”, ou “não era merecido”.
Na verdade Obama não teve tempo para fazer muito pela Paz – a não ser, o que não é pouco, trazer mais esperança ao mundo de que ela é alcançável. Mesmo os seus gestos até ao momento não são consensuais.
Numa das primeiras reacções da esquerda americana, publicada ontem no site da revista Nation, recordava-se o que ele ainda não tinha conseguido fazer, ou não fizera, e que essa área política esperava que tivesse feito: Guantánamo não fechou, as tropas americanas não saíram do Iraque, nada de substancial mudou na relação com Israel e os palestinianos, enviou mais tropas para o Afeganistão, nada conseguiu no que se refere ao Darfur. Estes sectores políticos não escondiam alguma desilusão com Obama, ontem claramente expressa na sequência da escolha para o Nobel da Paz.
Já a imprensa e os comentadores conservadores, para além dos que nunca acreditaram, ou mesmo sempre detestaram Obama, sublinhavam gestos do Presidente que os preocupam, como as hesitações relativamente ao grau de empenhamento no Afeganistão, as dúvidas sobre o caminho seguido nas negociações com o Irão ou na relação com a Rússia, a desilusão causada pelo abandono dos sistemas anti-míssil na Europa de Leste.
A verdade é que o Nobel não foi dado pelo que fez, mas pelo que pode fazer. É inédito, porventura viola o princípio de que só se é premiado depois de se conseguir o que é difícil, mas traduz a visão dos que acreditam que o Presidente dos Estados Unidos, ao ter alterado a forma como a grande potência se relaciona com o resto do Mundo já criou condições para a Paz.
O próprio Obama, na declaração que ontem proferiu, mesmo assumindo que “não merece estar na companhia de tantas figuras que mudaram o mundo”, acrescenta que o recebe não como uma honra que lhe é prestada pelo que fez, antes como uma “apelo à acção”, um apelo “a todas as nações para enfrentarem os desafios do século XXI”. Desafio tão grandioso que, recordou, não só o ultrapassa como ultrapassa o poder da sua administração e do seu país. “Mas podem ser alcançados”, acrescentou.
Mais complicado é saber se, com este prémio, o trabalho e as missões de Obama ficam mais fáceis ou mais difíceis. O comité norueguês entendeu que a mensagem que enviou ao mundo ao escolhê-lo fortalecia-o. Alguns analistas temem, porém, que o condicione.
Nos próximos dias poderemos ter os primeiros sinais do que acontecerá. A administração Obama vai ter de decidir se acede aos pedidos de reforço do contingente militar no Afeganistão, como pedem os comandantes militares, ou se opta por uma estratégia em que se focaria mais na Al-Qaeda e deixaria o terreno mais livre aos talibã. Naturalmente que haverá várias leituras para a decisão que vier a tomar, em especial saber se foi a mais acertada para a Paz. E, da mesma forma, se tentará ver até que ponto o sinal que lhe foi enviado de Oslo e escutado por todo o mundo o influencia, e em que sentido, nessa delicada decisão.
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