domingo, março 15, 2009

Crescimento económico e desenvolvimento

PÚBLICO, 15/03/2009 Faranaz Keshavjee*

A ética cosmopolita que respeita a todos e a todos pede participação foi pelo cano abaixo Em Évora, em 2006, Sua Alteza o Aga Khan IV falou sobre democracias que podem ser bem sucedidas. Infelizmente, líder de uma minoria religiosa e de uma religião ainda muito estigmatizada e profundamente desconhecida, passou despercebido do público em geral o conteúdo de uma mensagem que continua actual. Para os interessados remeto para a leitura atenta na Net: www.akdn.org/speeches_detail.asp?id=228. Mais do que um líder religioso, trata-se de um pensador dos tempos actuais que merece atenção.
Muitas vezes se tem referido que a Índia é uma das maiores democracias do mundo e que o Paquistão não consegue aceitar este facto sem alguma inveja. Não me posiciono em nenhuma das partes, mas, depois de ter visto o filme Quem Quer Ser Bilionário e de ter lido o White Tiger, de Aravind Adiga, percebo que, se a Índia se posiciona no patamar das maiores economias de sucesso mundiais, já não posso dizer o mesmo do seu sistema democrático nem do desenvolvimento das suas sociedades. Um exemplo marcante, para mim, foi ver aqueles dois irmãos sentados num arranha-céus em construção olhando para as suas vidas e recordando a passagem de Bombaim para Mumbai. A cidade mudou, cresceu, enriqueceu, e um deles também o conseguiu. No entanto, o sistema de castas nunca mudou. O chai wala (o moço dos chás) nunca deixará de carregar o estigma social, por melhor que venha a ser a sua situação socioeconómica. Ram e Allah continuam a lutar, e por isso a mãe dos dois perdeu a vida. No final do filme, e porque são muçulmanos, um deles afirma "Deus é Grande". Deus não é grande. A sociedade sim, podia sê-la, se ao menos se recordasse da ética preconizada pelo Deus que os encaminhou para a fé, a justiça, a equidade, a consciência social.
Estima-se que 40% dos países representados nas Nações Unidas são democracias falhadas. O que falta então para fazer as democracias funcionar? No tal discurso a que me referi antes encontram-se as respostas.
De todas, a que mais importa - para além da contribuição de uma sociedade civil forte, de uma ética de democracia pluralista, onde todos se revejam nas políticas públicas -, é preciso, fundamentalmente, desenvolver padrões de educação que promovam o desenvolvimento. Precisamos de "uma educação rigorosa, responsável e relevante. Precisamos de fazer um melhor trabalho na formação dos líderes; de moldar as instituições para que venham ao encontro de desafios de cada vez maior competência e de níveis de excelência sempre mais elevados. Isto significa ir para além da noção de mais educação, de mais tempo a aprender a formalidade escolar. Temos de acompanhar a nossa preocupação de quantidade com uma elevada aspiração para a qualidade. Serão os curricula que ensinamos relevantes para os problemas complexos do futuro? Estaremos a dar uma educação de século XX aos líderes do século XXI?", questiona o Aga Khan.
Um dos maiores desafios desta crise económica, que a meu ver já vivemos há alguns anos em Portugal e que agora virá a agravar-se com a crise internacional, coloca o desafio nos conceitos de crescimento e desenvolvimento. O grande paradigma da actualidade tem que ver com a ênfase excessiva no crescimento e a negligência no domínio do pensamento e da reflexão; no desenvolvimento das capacidades humanas para enfrentar momentos como este.
Vemos que as fórmulas económicas não resultam porque a sociologia e as humanidades, a ética cosmopolita que respeita a todos e a todos pede participação, foram pelo cano abaixo. Quisemos criar universidades-empresas. Preterimos as universidades de reflexão, do Grande Diálogo, onde a controvérsia pudesse ter lugar, onde as sensibilidades e as valências dos diferentes, das alteridades, pudessem tomar assento também.
No contexto que é o português, onde o universo social é cada vez mais cosmopolita, valia a pena repensar os líderes que queremos ter amanhã. Mais do que discutir vias de comunicação de alta tecnologia, instrumentos informáticos que nos ponham mais no centro do mundo, era preciso colocar os pequenos pensadores - os líderes deste século - no centro do pensamento universal; ajudar as crianças, desde pequeninas, a encontrar a alteridade e a saber lidar com esse grande diálogo que é aprender com humanismo e humanidade. Nesse encontro o sujeito torna-se parte do cosmos. Pode participar em democracias de crescimento porque cresceu, desenvolvendo-se. Estudiosa de temas islâmicos

Nota: O sublinhado é meu.

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