terça-feira, novembro 18, 2008

Avaliação dos professores

Uma interessante opinião de quem ganha a sua vida num outro contexto profissional em que a avaliação está muito presente ... a fazer pensar...

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Avaliação: a oportunidade já está perdida
PÚBLICO, José Vítor Malheiros - 2008/11/18
A avaliação tem de existir prioritariamente para garantir que a prática das escolas corresponde aos desejos da sociedadeÉprovável que nunca país algum tenha discutido tanto a avaliação dos seus professores como Portugal. Em geral, estes processos apenas interessam os elementos mais militantes da profissão em causa mas, no nosso caso, centenas de professores, pais, comentadores e políticos sentiram-se obrigados a lançar-se na leitura de portarias e decretos regulamentares. O que poderia ser bom se não fosse extemporâneo. De facto, não estamos a discutir o que se irá fazer nem sequer o que se pode corrigir, mas a tentar compreender onde se errou, o que suscita confusão e contestação.
Vamos imaginar que nem as críticas dos sindicatos nem os protestos dos professores têm a mínima base e que as garantias do ministério merecem todo o crédito: vamos imaginar que é tudo como devia ser, que o processo de avaliação é simples e claro, que as escolas possuem autonomia para fazer a avaliação como entendam desde que obedeçam a um conjunto de princípios básicos definido pelo ministério, vamos imaginar que os avaliadores são todos idóneos. Mesmo que fosse assim... o ministério já não teria razão. E não teria razão porque não se pode fazer uma avaliação de um corpo profissional contra o sentimento desse corpo profissional. Não se pode avaliar os professores usando critérios que os professores recusam, não se pode avaliar os professores usando avaliadores que os professores não reconhecem ou usando avaliadores que apenas o são a contragosto. Ou melhor: pode-se, mas não serve para nada.
E não serve para nada porque a avaliação não existe (não deve existir) prioritariamente para decidir da progressão na carreira dos professores, mas sim para garantir que a prática dos professores e das escolas corresponde àquilo que a sociedade pretende e que essa prática vai sendo progressivamente melhorada com o reforço das boas práticas e o abandono das más.
Quando os professores recusam os critérios da avaliação, ou estão a recusar os objectivos da educação (caso haja alinhamento entre avaliação e estratégia) ou estão a recusar uma avaliação divorciada da estratégia (caso não haja aquele alinhamento). E ambas as situações são trágicas. Porque a estratégia, a prática dos professores e os critérios da avaliação devem obedecer a uma mesma orientação geral.
Pode-se dizer: a verdade é que os professores recusam esta avaliação porque não querem ser avaliados de forma alguma. É evidente que isso não seria aceitável. Mas será difícil que professores recusem uma avaliação em cuja definição tenham participado e que esteja alinhada com grandes objectivos estratégicos em cuja definição também participaram. Seria possível fazê-lo, mas essa recusa revestir-se-ia de uma evidente má-fé. E, tal como as coisas se estão a passar, os cidadãos não podem deixar de encontrar razões nos protestos dos professores. A ministra perdeu os professores sem ganhar os pais.
Um processo de avaliação, para não se descredibilizar e não se cobrir de ridículo, deve ser próximo do irrepreensível. Deve ser concebido e posto em prática de forma participada e competente. Deve possuir mecanismos eficazes de monitorização, discussão e feedback. Deve ter mecanismos de reconhecimento e correcção dos erros. Deve ser ele próprio monitorizado e avaliado. E nada disto exclui autoridade (pelo contrário) em todos os passos do processo. Acontece que este processo de avaliação não é nada disso. A oportunidade já se perdeu - quer a ministra recue mais, avance ou fique onde está. Quer a ministra ganhe ou perca, o país perdeu. O pecado mortal deste processo é que deu um mau nome ao conceito e tornou mais difícil pôr em prática, no futuro, um processo justo e exigente de avaliação. Jornalista (jvm@publico.pt)

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