A escola e muitos professores têm uma especial apetência para se assumirem como "guardiões do templo" de uma cultura (e também de interesses) dominantes, como nos tem mostrado a sociologia da educação desde a década de 70, do século passado. Não me ponho de fora, de modo algum. Apenas procuro manter-me lúcida e eleger alguns fatores que me ajudem a manter a clarividência, quer através da minha experiência, quer através do que outros têm escrito e estudado. A forma como se lida com a ortografia na escola, ainda mais depois do novo acordo ortográfico e de toda a discussão que se tem gerado à sua volta, do meu ponto de vista, ilustram bem esta questão, a sempre assumida necessidade (por parte da cultura escolar) da solução correta e única, como que a dizer quem pode ficar "dentro" (quem pode pertencer ... vá-se lá saber a quê?!?) e quem deve ficar de "fora" (quem não tem ali lugar, quem deve ser descriminado ...). Será esta uma necessidade da sociedade em geral? ... como a sociedade não é uniforme e é composta por diversos grupos sociais, esta forma de atuar serve que grupos sociais?
Mais uma vez vem isto a propósito de um "Ai!! que horror!", por ter escrito "facto", de acordo com a grafia do Brasil, sem o "c". Para mim, enquanto professora, mais do que a correta ortografia - neste caso concreto até existem as duas grafias - o que está em causa, e me choca, é a não aceitação da possibilidade de convivermos com mais do que uma "verdade", a necessidade expressa da existência de "um certo" e de "um errado", único, como se a escola se reduzisse a essa função certificadora de verificação, de marcar "certos" ou "errados" (um papel mesquinho e pequenino), esquecendo o seu papel educativo maior, como espaço de socialização que é. Um espaço social onde convivem muitos e muitas, com origens sociais e culturais várias, onde se pode aprender tanto com a riqueza da diversidade de uns e de os outros - não será esta uma escola muito mais interessante, desafiadora e motivadora para tod@s? Para os alunos e as alunas, para os professores e as professoras, para as famílias, para os/as auxiliares (assistentes operacionais), ...?
Os exames, os programas, conduzem-nos diretamente à "redução", à pobreza cultural da escola. Somo nós "Educadores", na verdadeira aceção da palavra, que devemos ser os principais resistentes a este "Back to basics", a esta consistente "redução" das políticas utilitaristas e neoliberais que nos querem impor e nos (des)governam.
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