domingo, junho 15, 2014

«Provas Finais do 1.º CEB»: pior do que os exames no meu tempo

O clima e caráter "fascizante" que estamos a viver este ano a propósito dos "exames" no ensino básico (chamados de "provas finais") é completamente assustador, como sinal das mentalidades que nos governam. Trata-se de um clima que se vai refletindo-se depois em cadeia, através exercício de pequenos poderes, de quem vê assim o seu pequeníssimo poder reforçado e de um "autoritarismo" acéfalo, que tem "(cor)roído" o nosso quotidiano nas escolas. Houve docentes a serem convocados para serem corretores de provas com menos de 48h de antecedência, ou mesmo às 23h da noite; houve também aqueles que foram mantidos de "prevenção" nas escolas para além do seu horário habitual, sem qualquer convocação prévia de acordo com as normas legais em vigor, à espera de pautas, sem saber a que horas estas chegariam, dizendo-lhes que só poderiam ir-se embora justificando a sua falta com atestado médico, como se estivessem face a reuniões de avaliação, convocadas dentro da legalidade; aos professores vigilantes das provas foram dadas indicações expressas em como não podiam ausentar-se das salas onde estivessem a decorrer provas, nem em caso de má disposição, sem que alguém do secretariado de exames viesse dar autorização, o mesmo se aplica aos alunos, quer estes fossem do 4.º ano, quer do 6.º ou 9.º anos - uma regra igual para todos; os professores vigilantes também tiveram indicações muito precisas no sentido de os impedir de ler as provas durante a sua realização (só as poderiam ler quando estas fossem afixadas), tendo no entanto que verificar, minuciosamente, se os alunos usa(va)m a caneta preta (no caso dos alunos do 4.º ano) ou preta ou azul (nos restantes casos) ... [:-) ... :-) ... não consigo escrever sobre isto sem me rir!!] ... ou o lápis, de acordo com o que for pedido na prova ... estão a perceber as incongruências e contradições?!? ...

A Norma 2/JNE, um documento com 128 páginas, com todas as indicações possíveis e imaginárias para a realização das provas, a sua classificação, etc. etc. ... Norma para a qual se remetiam todos os colegas quando se levantavam dúvidas ... não está se quer disponível online, nem no site da Direção Geral de Educação, do MEC, nem na página do IAVE, I.P., do mesmo ministério (que, a bem dizer, ainda nem tem página web própria, apenas tem página do Facebook ... - conhecem aquela aplicação a que não se consegue ter acesso a partir das escolas na parte da manhã? ... ). Esta norma só está disponível online através de sites de escolas ... como será que estas acederam a tal  Norma? ...

O que nos querem exatamente mostrar? ... que pensam por nós, que mandam e que têm o nosso tempo, as nossas vidas, nas suas mãos?!?

Não está provado que exames nacionais contribuam para aumentar a qualidade da aprendizagem dos alunos, não conheço estudos sobre isso - existirão? Apenas se sabe que existe, numa certa opinião pública (revivalista e com saudades do "tempo da outra senhora"), reforçada pela superficialidade de certa comunicação social, uma crença de que sem exames tudo o que se passa nas escolas é de um enorme facilitismo e permissividade. Assim se justifica a necessidade imperiosa da figura da autoridade externa, o MEC (o lobo mau, o papão,  o chicote), para de "forma rigorosa" (de que tipo de rigor se fala?), vir mostrar o quanto é (in)útil o orçamento da educação, ou seja, o que os portugueses pagam pela escola pública.

Daquilo que me é dado observar, diretamente na escola onde trabalho, e naquelas por onde tenho andado (quer como professora, quer como orientadora de estágios, quer ainda como avaliadora externa - funções que me obrigam a desempenhar), o quotidiano das escolas é feito de um enorme profissionalismo pela maior parte dos professores, que fazem tudo o que está ao seu alcance para que os alunos aprendam (fazem sempre os possíveis, e frequentemente os impossíveis, também). Claro que ninguém é perfeito, e que nesta classe profissional, como em todas, há bons e maus profissionais - mas se a escola pública (grande parte do sistema de educação no nosso país) não fosse feita de bons e empenhados professores, há muito que o sistema já teria "falecido" (vale a pena comparar a percentagem do PIB gasta pelo nosso país na escola, com a de outros países da OCDE).

Qual foi o orçamento envolvido nesta gigantesca operação das provas finais de ciclo? Quantos euros pesa ela no orçamento do MEC?
a elaboração e duplicação das Normas, bem como do funcionamento do JNE, ou será antes, do IAVE, I.P?
a deslocação dos alunos do 4.º para as escolas sede, para a realização das provas finais de ciclo pagas em muitos casos, pelas autarquias? ... e tudo o mais que envolveu a montagem desta gigantesca operação de logística: A montagem dos júris regionais de exames? a convocatória dos professores supervisores e dos professores corretores? os dois dias de aulas de que estes foram dispensados, perturbando o processo de aprendizagem dos alunos e a organização da vida nas escolas? a elaboração, duplicação, distribuição das provas, de forma sigilosa, com a intensa colaboração da GNR e da PSP? as deslocações, reuniões, telefonemas com os professores supervisores e corretores?

Os resultados do trabalho quotidiano dos professores e dos alunos nas escolas, na maior parte dos casos acompanhado pelas famílias (da forma que melhor sabem e conseguem) não pode ser medido em hora e meia de uma prova final, elaborada a nível nacional pelo ministério. Bem sei que (felizmente!!) estas provas só valem 30% da nota final. Também todos sabemos que as dificuldades presentes na resolução das provas é facilmente manipulável pelo MEC - estamos muito longe da fiabilidade das provas realizadas pelo PISA (OCDE) ... Que os alunos vão bem a Português e mal em Matemática, comparando os resultados de apenas dois anos de exames nacionais, dois anos em que a dificuldades das provas foi manifesta diversa, parecem-me conclusões demasiado superficiais para os custos que imagino estarem envolvidos, custos estes que gostaria de ver explicitados.

Não é certamente com a implementação deste clima anacrónico e fascizante nas escolas, acompanhado das "provas finais de ciclo", aka, exames, que vamos deixar de ser o país da OCDE em que há a menor percentagem de adultos, entre os 25 e os 64 anos, com o ensino secundário concluído. De acordo com o especialista da OCDE, ouvido pelo PÚBLICO, só existem exames no 4.º ano na Turquia e na Bélgica (http://www.publico.pt/sociedade/noticia/analista-da-ocde-defende-que-exames-de-4%C2%BA-ano-tem-potencial-de-exclusao-social-1637322).

P.S. - Sou das que fiz exame da 4.ª classe, em 1968. Dois anos depois fiz o do 2.º ano do Ciclo Preparatório.  Em 1974, manifestei-me viva e convictamente contra os exames do antigo 5.º ano - por considerar que estes não iam contribuir em nada para o que tinha aprendido até aí. Penso hoje, o que já então pensava.



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