Estou em greve e aproveito este dia para pensar e repensar os fundamentos desta greve.
Ontem quando a tentava explicar aos meus alunos (que têm entre 5 e 7 anos) - não fui capaz de o fazer. Queria ouvi-los e não os queria influenciar com os meus princípios e a minha posição - sei que o que pensam e reproduzem é muito influenciado por aquilo que ouvem em casa, sobretudo por aquilo que ouvem a quem lhes está mais próximo. Certamente haverá quem tenha posicionamentos diferentes do meu - nada que uma co-habitação e uma convivência no respeito uns pelos outros e em democracia não ajudem a ultrapassar. Fiquei com os cabelos um bocadinho em pé quando um deles dizia que as pessoas fazem greve para descansar: expliquei que ao fazer greve não ganhava o dia e que preferia não ter que a fazer. Outros diziam que quem fazia greve era por que queria ganhar mais e outros ainda por que as pessoas estavam a ganhar menos e por isso faziam greve. Nada de muito elaborado e um bocadinho primário, mas, no momento, também não fui capaz de os ajudar a elaborar mais. O anunciar-lhes que ia fazer greve prendeu-se sobretudo com a minha solidariedade para com eles e os seus pais, para não chegarem hoje à escola e "baterem com o nariz na porta" - uma questão de elementar "bom senso".
Mas fiquei a pensar ... nas razões que me levam a fazer greve ...
Será por ter visto "rasgado" o contrato social que assinei, enquanto professora do 1.º CEB quando tomei posse como professora efetiva, ao fim de vinte (20!!) anos de trabalho docente, já lá vão quase treze anos? - Certamente!!
Quando assinei esse "contrato" tinha direito a reforma ao fim de 30 anos de serviço, cumulativamente com 52 anos de idade [estava aqui incluída uma bonificação por nunca ter tido redução de horário, como têm os colegas professores dos outros ciclos do ensino não superior]. Hoje, com o novo estatuto e com as condições a alterarem-se todos os anos, sempre que um novo orçamento de estado, em tempos de austeridade, é assinado, só me poderei reformar aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade. Haja saúde!!
Os professores, em topo de carreira, ganham muito acima do salário médio nacional. Apesar de ter já uma longa carreira contributiva (como se diz agora), o que corresponde a uma grande fatia da minha vida como trabalhadora, como uma professora, funcionária, investigadora e cidadã muito empenhada em diversos movimentos sociais - considero-me uma privilegiada no panorama do salário médio nacional. Tenho emprego e salário ao final do mês - por isso, em termos primários, não teria razões para fazer greve.
Mas há muito mais que está em causa, para além da minha situação pessoal, para lá do meu "umbígo" ... Enquanto cidadã, como fazendo parte de um coletivo que se preocupa com os que estão à sua volta, não posso deixar de manifestar a minha solidariedade por todos os que perderam os seus empregos e salários. Fazer greve é hoje para mim uma forma de solidariedade com os que têm vindo a perder os seus modos de subsistência.
Querem fazer-nos querer que não há dinheiro para sustentar o Estado social ... que o país está na bancarrota e completamente dependente dos empréstimos exteriores ... mas continuo a ver os senhores ex-administradores dos bancos com reformas multi-bilionárias mensais, ministros, assessores, membros dos gabinetes, deputados, a não prescindirem das mordomias. Qual é o administrador de um banco, ou de uma grande empresa, o ministro, o assessor ou deputado que se desloca em carro próprio, ou mesmo a pé, ou de transportes públicos, para o seu local de trabalho? Que vive num T3, ou equivalente, (e já é muito acima da média dos portugueses) em zona popular ou periférica dos grandes centros urbanos?
Não será isto que verdadeiramente significa "viver acima das nossas possibilidades"?
Onde estão os "exemplos"?
As PPP são um escândalo!! Está tudo dito!!
Deixei de acreditar neste sistema e nesta forma de organização social - está em causa um modelo cultural e civilizacional baseado no dinheiro fácil, no dinheiro de plástico, nos mercados, no lucro, seja a que custo for! Tudo vem antes de valores como a solidariedade e o cuidar, o acolhimento e o reconhecimento do diferente. Olhando de longe - ou de perto - parece que estamos perante um processo de auto-destruição infindável.
Hoje, como ontem, são os "sonhos" que me movem: gostava de poder pôr o meu ordenado (que é do que vivo) num banco em que os administradores vivessem - sem mordomias - dignamente, num T3, e se deslocassem em transportes ou em carro próprio para o seu local de trabalho - como faz grande parte do português médio. Gostava de fazer parte de um grupo que se organizasse, sobretudo com base na troca direta de bens e serviços ... uma forma de organização cooperada e participada ... que valorizasse a relação com a natureza, as diferentes formas de expressão artística de cada um ...
Assim, será certamente mais fácil explicar aos meus alunos por que razões faço hoje greve.
... e como é o sonho que comanda a vida ... aqui ficam algumas das referências fundamentais ...
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