domingo, janeiro 02, 2011

Estudos e mais estudos: que impacto no quotidiano das escolas?

Há tempos escrevi uma "nota" no Face Book sobre os exames: http://www.facebook.com/note.php?note_id=417724392143 - em que colocava parte das minhas interrogações sobre o tipo de resultados que estes avaliam.

Agora surge um estudo do GAVE - http://www.gave.min-edu.pt/np3content/?newsId=350&fileName=TI_2010_ReportNet.pdf - anunciado na comunicação social, através de um artigo com o seguinte título «Alunos portugueses não sabem raciocinar nem escrever» - http://www.ionline.pt/conteudo/96159-relatorio-2010-alunos-nao-sabem-raciocinar-nem-escrever.

Vale a pena ler com atenção o relatório deste último estudo. E, mostrando-nos ele, que há um mar imenso de trabalho a fazer, vale também a pena continuarmos a interrogar-nos sobre o que medem exactamente estes estudos.

Saberemos todos o valor da estatística? Aquela que nos diz que se eu comer um frango inteiro e a minha amiga não comer nenhum, em média, cada uma de nós comeu meio frango?

As questões que levantei então sobre o que medem exactamente os exames, continuam a ser as questões que se levantam sobre o que se mede exactamente com este tipo de testes e o impacto que têm no quotidiano das escolas, das salas de aula - o local onde efectivamente os alunos portugueses aprendem.

Interessante que este estudo apareça depois da divulgação dos resultados do PISA-2009 (OCDE - a grande autoridade internacional em avaliação comparativa dos sistemas educativos) mostrando afinal que as continua a haver muitas fragilidades ...

Em que ficamos afinal? ... os estudos feitos pela OCDE não têm a credibilidade que supostamente deveriam ter? ... Seria interessante que a comunicação social, ao pegar em resultados de estudos desta natureza, ouvisse também os responsáveis do Ministério da Educação sobre a relação destes resultados com os do PISA.

Sabemos que:

- tal como nos ensinou a Sociologia da Educação, desde a década de setenta do século passado, a escola está feita à imagem e semelhança das classes sociais mais favorecidas; só assim se explicam estatisticamente os piores resultados escolares de alunos oriundos de famílias mais pobres;

- hoje, depois da massificação dos sistemas educativos, as escolas têm uma diversidade de alunos, que vai muito para além dos filhos das classes sociais que antigamente as frequentavam; são alunos de origens sociais, étnicas, culturais, muito, muito diversas, que vêm de famílias e de grupos sociais com histórias e expectativas em relação à Escola muito variadas; são pessoas concretas, com idiossincrasias próprias, como é característica do ser humano, relativamente à escola, ao seu lugar na sociedade e aos seus projectos de futuro; sabe-se hoje também através da investigação que tem sido feita nesta área, que estes são factores determinantes na forma como os alunos se comportam na escola e as suas famílias lidam com ela;

- falar de forma generalista, é falar de forma muito redutora de uma realidade complexa, onde se cruzam excelentes profissionais da educação, que quotidianamente lutam para que nas suas escolas cada aluno possa, à sua medida, atingir os melhores resultados possíveis, com a diversidade de alunos e famílias acima referidas; professores que, entre os currículos nacionais e os percursos sociais e escolares dos seus alunos, procuram que estes sejam os sujeitos da sua aprendizagem, que tomem consciência das suas dificuldades, do que precisam de fazer para as ultrapassar;

- há alunos completamente desmotivados; há graves problemas de indisciplina com os quais é preciso lidar; o que acontece na escola acontece também na sociedade; a escola, para muitos dos alunos é apenas um espaço social, onde se encontram com os seus amigos, onde interagem com os adultos, de formas mais ou menos adequadas; como podem as escolas construir com estas crianças e jovens actividades sociais (culturais, desportivas, artísticas e outras ...) significativas para eles? Não é isso a vida em sociedade?

- a escola e os professores estão desvalorizados socialmente; por uns, porque ter um diploma ou um certificado, não é uma garantia de emprego, nem de ascensão social; por outros, porque acentuam, de forma generalizada, preferencialmente, o que não se sabe, em vez de acentuar o que se aprendeu, o que se sabe;

- há excelentes professores, que todos os dias trabalham de forma entusiástica e contagiante com os seus alunos, que, apesar de todos os problemas e pressões, conseguem energia e forças para recomeçar de novo, em conjunto com os seus alunos, a cada novo dia; acreditam no seu trabalho, no trabalho conjunto com os seus alunos
e não desistem deles; muitos destes conheci-os no Movimento da Escola Moderna - http://www.movimentoescolamoderna.pt/ - e com eles aprendi muito!! Para além de uma maneira de estar na profissão, que procura reinventar a cada dia que passa a Escola e o trabalho na sala de aula, foi com eles que também aprendi que esta é uma profissão possível. Possível, onde nos podemos realizar enquanto seres humanos, em conjunto com os nossos alunos - porque "estamos todos no mesmo barco" - e aprender uns com os outros. Isto vai muito para além das metodologias, das didácticas e das técnicas!

Ainda bem que estes professores não se deixam impressionar com estes estudos e continuam persistentemente o seu labor e dele, apesar de tudo, conseguem tirar prazer.
Só assim conseguem contagiar os seus alunos e ajudá-los a crescer!

[Escrevi em 2006 - http://inquietacaopedagogica.blogspot.com/2006/05/eduqus-algum-sabe-ou-conhece-este.html - a propósito do "Eduquês", algo que tinha já que ver com esta questão.]

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