terça-feira, janeiro 20, 2009

«Formar Leitores para Ler o Mundo» ... e para o Melhorar

Deixo aqui a minha resposta a um desafio que me foi feito pela Casa da Leitura (FCG) - http://www.casadaleitura.org/:



Um grande desafio este … o dar o meu depoimento como professora sobre uma temática que me é tão cara como esta «Formar Leitores Para Ler o Mundo». Neste momento de «Crise versus Oportunidade(s)» em que nos encontramos à escala global, acrescentaria «… e para o Melhorar».
Todos transportamos connosco as nossas vivências e costumo dizer, que mais do que os conhecimentos declarativos e os conteúdos que trabalhamos com os nossos alunos, aquilo que eles verdadeiramente aprendem connosco é a forma como nos relacionamos com o conhecimento e com os respectivos artefactos, isto é, o modo como eles apreendem o gosto e empenho que pomos no que fazemos. Tudo o mais vem como acréscimo ao imenso trabalho que um(a) professor(a) tem que realizar para que os seus alunos realmente aprendam e aprendam de forma significativa a «Ler o Mundo», para nele intervir de forma crítica, responsável e solidária, reconhecendo a importância do outro, do diferente, para se conhecer a si mesmo, e cuidando desta Casa global, o planeta Terra (e porque não o Universo?) em que todos vivemos.
Reconheço assim a importância que tiveram para mim as minhas primeiras «leituras». Numa família de 5 irmãos, era para mim um privilégio poder ouvir em disco (então ainda de 33 rotações), em sossego e tranquilamente, a «História da Menina do Mar» (Sophia de Mello Breyner) narrada pela Eunice Muñoz: ficava sentada no chão, fechava os olhos e imaginava a história a desenrolar-se diante de mim, como num filme. Uma história de mundos que se cruzam em amizades e amores – uma história de humanidade.
Depois vieram as histórias de aventuras, as dos 5 e as dos 7 (Enid Blyton). Como cresci num bairro lisboeta em que ainda se brincava muito na rua, imaginava como as nossas brincadeiras se assemelhavam às aventuras do Júlio, da Zé, do David, da Ana e do seu cão Tim. Outros livros marcantes para mim foram os do Grichka e do seu Urso (René Guillot). Estes transportavam-me verdadeiramente para outros mundos, para as estepes mongóis, para a vida de povos nómadas, no meio da neve, de tendas de peles, da importância dada aos mais velhos …
Os Capitães da Areia, de Jorge Amado, despertaram-me para a riqueza da vida das crianças em situação de rua, que na luta pela sobrevivência quotidiana criam entre si laços de cumplicidade, de solidariedade, de amizade e de amor, tão verdadeiros e inequívocos, como as notícias de violência que nos chegam quotidianamente através da televisão sobre contextos afins.
Fazem ainda parte das minhas leituras de juventude, as histórias de José Mauro de Vasconcelos: «O pé de Laranja Lima», «Rosinha, minha canoa», «Chuva Crioula», «Frei Abóbora» - histórias trágicas e poéticas, de uma infinita humanidade.
Foi esta humanidade, da cumplicidade, da solidariedade, da Amizade, do Amor, que se cola a todo o ser humano, esteja ele em que situação estiver, que aprendi a encontrar nos diferentes mundos que ia conhecendo através dos livros, despertando em mim uma imensa curiosidade por conhecer o outro, o diferente, por conhecer outros mundos.
Vivemos outros tempos, outros problemas (?) …
A globalização e as migrações, a limitação dos recursos naturais e as alterações climáticas … as tensões, os conflitos regionais, as guerras … como o mundo se tornou a nossa casa, de todos os habitantes do planeta …
… como a ciência tem mostrado que tudo está inter-relacionado …
Estou presentemente a iniciar um projecto no âmbito da «Educação para a Paz» em que se pretende abordar estas temáticas com os alunos mais novos e educadores ou professores, tirando partido das potencialidades de comunicação criadas pelas tecnologias.
Foi assim que, muito recentemente, em colaboração com uma colega, trabalhei a história dos «Ovos Misteriosos» (Luísa Ducla Soares) com alunos do 1º ano de escolaridade (5-6 anos de idade). Lida a história – a de uma galinha que choca no seu ninho ovos de diferentes animais, que cuida de cada um segundo as suas necessidades e características, animais estes que acabam por formar entre si uma irmandade que se apoia e inter-ajuda, quando o elemento ameaçador, o ser humano, tenta prender o frango para o comer – foram feitos jogos sobre os animais (as suas diferenças e as suas semelhanças), foram construídos gráficos de barras. Trabalhou-se assim a Língua Portuguesa, a Matemática, o Estudo do Meio, a Ed. Cívica … um trabalho que culminou com a visita da escritora à Escola. Uma história inspiradora …
Já há alguns anos, a história do «Nabo Gigante» (Aleskei Tolstói) – um nabo gigante que nasce numa quinta em que a ajuda de todos, mesmo de todos, incluindo a do ratinho, (aquele pequeníssimo animal que passa despercebido por entre os buraquinhos da casa) é necessária, e indispensável, para o soltar da terra. Foi uma história inspiradora do desfile de Carnaval: da letra da música e dos fatos que cada um pintou em papel de cenário, de acordo com o personagem que representou.
Todos, todos somos necessários e indispensáveis para que tanto os mais novos, como os mais velhos, se deixem inspirar pelas experiências relatadas através das histórias, verdadeiras ou imaginadas, dos livros – a cada estilo, a cada género, o seu papel: a fantasia, a poesia, as histórias tradicionais, os mitos da antiguidade, as actuais reportagens e relatos de experiências … todos têm um contributo inequívoco a dar. O despertar para os "diferentes mundos" em que vivemos, para os valores da Humanidade nesta «Casa Comum» que habitamos e em que todos vivemos, é, sem dúvida, também uma forma de acordar em cada um o escritor / autor que transportamos connosco.
Os recursos tecnológicos podem também dar o seu contributo. Deixo aqui alguns links que alguns já conhecerão (ou talvez não…):
- História do Dia (APENA) – http://www.historiadodia.pt/
- Biblioteca de Livros Digitais (Ministério da Educação) - http://e-livros.clube-de-leituras.pt/
- Contos de Andersen (CC ESE de Santarém) - http://nonio.eses.pt/contos/andersen.htm
Margarida Belchior - 14/01/2009

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