domingo, novembro 26, 2023

Galopim de Carvalho: “A utopia é o motor que transforma os sonhos em realidade” (PÚBLICO, 26/11/2023)

In https://www.publico.pt/2023/11/26/ciencia/entrevista/galopim-carvalho-utopia-motor-transforma-sonhos-realidade-2070228

 


Nota: Recorte da fotografia inicial do PÚBLICO.

O geólogo Galopim de Carvalho, defensor do património geológico e paleontológico, bate-se por um novo projecto de musealização dos trilhos de dinossauros na Pedreira do Galinha, na zona de Ourém.

António Galopim de Carvalho fala-nos de dois sonhos que anseia ver tornados realidade. Aos 92 anos, o geólogo que muito se tem batido pela preservação do património paleontológico e geológico do país gostaria de ver ampliada a musealização do trilho de dinossauros com 175 milhões de anos na Pedreira do Galinha, nos concelhos de Ourém e Torres Novas. Gostaria também que o Museu do Quartzo, em Viseu, não estagnasse. Não quis deixar-se ficar na prateleira, como disse o geólogo, que, além de professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi director do Museu Nacional de História Natural, em entrevista anterior ao PÚBLICO.

“Para mim, a descer os últimos degraus, mas ainda com tanto para dar, é triste e lamentável que quem tem poder para decidir deixe morrer um projecto como este”, lamenta agora Galopim de Carvalho, referindo-se, neste caso, à musealização das pegadas de dinossauro da Pedreira do Galinha.

Publicou à volta de 30 livros – incluindo uma meia dúzia de divulgação científica –, entre ficção, memórias, livros científicos e para o ensino secundário e universitário. Exemplo de como Galopim de Carvalho fervilha de ideias é a publicação do seu livro mais recente, Dinossáurios em Verso (Âncora Editora), com ilustrações de Francisco Bilou. Acaba de chegar às livrarias portuguesas.

Que livro é este, Dinossáurios em Verso, que acaba de publicar?
É um livro com dez poemas para crianças sobre dez dinossáurios. Há muitos anos, em 1992, fiz uma exposição no Museu Nacional de História Natural. Brincando, deu-me na ideia olhar para os dinossáurios expostos e, para cada um deles, fiz um pequeno poema dirigido às crianças. Nessa altura, um aluno meu que hoje é professor na Universidade Nova de Lisboa, Mário Estevens, fez um boneco para cada poema e publicámos internamente uma brochura. Passaram-se estes anos todos – mais de 30 – e deu-me na ideia contactar um amigo meu, Francisco Bilou, para ilustrar cada um dos poemas com novas ilustrações e que entreguei à Âncora Editora.

Que dinossauros têm direito a um poema seu?
O T-rex, o apatossáurio, o triceratopo, o oviraptor, o paquicefalossáurio, o avimimo, o anatossáurio, o anquilosssáurio, o estegossáurio e o iguanodonte.

Essa exposição de dinossauros em 1992, em Lisboa, ficou na memória de muita gente.
Foi uma exposição de dinossáurios robotizados. Teve um grande sucesso: foram mais de 360 mil visitantes em apenas 11 semanas.

Já está a trabalhar num próximo livro?
Estou a trabalhar numa colectânea de textos que tenho escrito no Facebook e em blogues. Estou a juntá-los num livro. Gostava que o nome fosse Ao Romper da Aurora, porque muitos dos meus textos são escritos de madrugada. Falam de arte, sociedade, património, ofícios, gastronomia, filosofia, cultura, ambiente. Vai ser o meu último livro, estou convencido.

Há um ano, lançou uma petição em defesa da valorização dos trilhos de dinossauros da Pedreira do Galinha. Como ficou essa petição?

Foi um sucesso, pela rapidez e pelo resultado. Em menos de três meses, recebeu mais de 5200 assinaturas. A petição “Monumento natural das pegadas de dinossáurios de Ourém-Torres Novas”, vulgarmente referida por Pedreira do Galinha, que lancei em Julho de 2022, deu entrada na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto da Assembleia da República, creio que em Novembro. Dois meses depois, em Janeiro de 2023, fui chamado a essa comissão, onde apresentei o problema a que se refere a petição e que mereceu aprovação unânime dos deputados-membros. Foi uma alegria. Por proposta desta comissão, o texto da petição foi remetido ao Governo, bem como aos grupos parlamentares, para ponderação e eventual iniciativa legislativa.
Para que a petição seja discutida em plenário da Assembleia da República e haja uma deliberação sobre ela, terá de haver um ou mais deputados ou grupos parlamentares que apresentem um projecto de resolução ou de lei nesse sentido.

Qual podia ser o teor da eventual iniciativa legislativa que mencionou?
Poderá ser algo relacionado com o texto da petição.

Mas o Governo caiu e haverá novas eleições legislativas.
Infelizmente, agora vamos esperar uma eternidade.

E da parte do Governo chegou a haver antes alguma novidade?
No propósito de levar por diante a minha proposta, eu já tinha solicitado uma audiência ao ministro do Ambiente, que me recebeu a mim e à diretora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, a doutora Marta Lourenço, em representação do reitor da Universidade de Lisboa, a 30 de Novembro de 2022. Deu-me oportunidade de explicar toda a documentação que lhe apresentei, a mesma que levei à referida comissão parlamentar. O ministro Duarte Cordeiro telefonou logo dali ao reitor, solicitando-lhe que liderasse a primeira fase da petição, isto é, a elaboração do projeto a que a se refere a petição.


Por que razão é importante valorizar estas pegadas de dinossauros? O que já lá está feito não chega? E porque não chega?
É importante dada a raridade e o seu significado paleontológico, internacionalmente reconhecido. É importante porque se trata de uma jazida do Jurássico, com cerca de 175 milhões de anos. É importante, ainda, pela sua monumentalidade e por conter centenas de pegadas de grandes saurópodes, muitas delas bem conservadas e organizadas em 20 trilhos, tendo dois deles mais de 140 metros de comprimento.
Respondendo à segunda parte da sua pergunta, digo “não chega” porque não valoriza as qualidades que acabo de referir, nem a grandiosidade e a espectacularidade da jazida, no topo de uma única camada de calcário com 62.500 metros quadrados de superfície. Não chega porque todo este conjunto dispõe de uma extensa área envolvente, susceptível de comportar diversos equipamentos complementares. Em resumo, não chega porque um património com tais potencialidades exige um tratamento compatível.

Qual é a sua proposta actual para a Pedreira do Galinha?
Numa primeira fase, aspiro a que se mande fazer um projecto a nível internacional, compatível com a importância deste geomonumento, envolvendo, em especial, as componentes científica, pedagógica, lúdica e turística. É com satisfação que sei que este projecto está a ser feito. Numa segunda fase, solicita-se que se proceda à sua concretização. A sua rendibilidade económica pode ser potenciada pela proximidade (dez quilómetros) ao Santuário de Fátima.

Disse que o novo projecto de musealização está a ser feito.
Está no bom caminho. Todos os trâmites têm sido seguidos. O projecto de musealização do Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém-Torres Novas está quase concluído.

Qual é o papel da Universidade de Lisboa em relação às pegadas da Pedreira do Galinha?
Face à solicitação do ministro Duarte Cordeiro, o reitor reuniu-se com as entidades passíveis de dar resposta a essa solicitação. E, na sequência disso, a empresa Biodesign está a ultimar o projecto com base em documentos, informações e ideias cedidos por elementos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, da Assimagra [Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais] e do professor Mário Cachão, em representação de uma equipa de paleontólogos da Universidade de Lisboa. Há também o envolvimento do professor Luís Lopes, da Associação Portuguesa de Geólogos e da Universidade de Évora, e da Agência Ciência Viva, na pessoa da doutora Rosalia Vargas. Uma vez concluído, este projecto será entregue ao reitor para apreciação e validação científica, que por sua vez o entregará ao ministro do Ambiente. Esperemos que seja possível acabar o projecto a tempo de este ministro lhe poder dar resolução.

Pode revelar alguns pormenores do que a empresa Biodesign está a elaborar para a Pedreira do Galinha?
Não participei na elaboração deste projecto. Limitei-me a trabalhar no sentido de que fosse feito por uma entidade competente. Não tive, portanto, oportunidade de acompanhar os trabalhos da Biodesign, que é uma empresa de arquitectos paisagistas liderada pelo arquitecto Jorge Cancela. Mas conto estar ao lado do reitor e dos colegas da Universidade de Lisboa na fase de apreciação do projecto.

Pode haver quem diga que a sua proposta era megalómana. É megalómana?
Não sei. Há sempre detractores, mas basta andar por dentro deste monumento natural para se aperceber de que merece tudo o que se propõe e muito mais.

A Pedreira do Galinha tem sido, desde as descobertas aí dos trilhos de dinossauro, uma das suas batalhas. Outra é o Museu do Quartzo, no Monte de Santa Luzia, em Viseu. Esta outra batalha está a chegar a bom porto?
As sucessivas diligências que tenho empreendido junto do autarca, que é o mesmo doutor Ruas de então, não têm merecido qualquer resposta. Em Abril, pedi à ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a professora Elvira Fortunato, que me recebesse, explicando-lhe o motivo do meu pedido. Já insisti mais duas vezes, em Junho e em Agosto. Continuo à espera. Para mim, a descer os últimos degraus, mas ainda com tanto para dar, é triste e lamentável que quem tem poder para decidir deixe morrer um projeto como este.

O que é preciso fazer mais no Museu do Quartzo?
A primeira fase da minha proposta está concluída. Tinha um âmbito local, visando, sobretudo, o apoio às escolas da região. Mesmo assim, serviu milhares de alunos das mais diversas escolas e universidades do país, para além do público anónimo. Na minha opinião, esta fase chegou ao fim e urge iniciar a segunda fase, já de âmbito nacional, envolvendo uma colaboração ativa com as nossas universidades e as empresas interessadas no quartzo como matéria-prima nas mais variadas tecnologias.

Nesta segunda fase, proponho alargar o serviço do museu através da criação de uma plataforma digital e pela geração de conteúdos bilingues, abrindo uma forte vertente de comunicação internacional. Se conseguirmos levar por diante esta fase, poderemos aspirar à criação de um Centro de Investigação Científica e Tecnológica, a nível internacional, centrado no quartzo. Estou convencido de que este propósito é, por si só, susceptível de atrair patrocínios por parte de grandes empresas interessadas na investigação científica e tecnológica do quartzo. Isto pode parecer uma utopia, mas eu sei, por experiência, que a utopia é o motor que transforma os sonhos em realidade.

Quem tutela este museu? Ou seja, quem poderia tomar a dianteira dessas propostas?
É a Câmara Municipal de Viseu que o tutela, uma vez que o construiu a expensas suas, mas já mostrou não estar muito interessada em dar-lhe continuidade, arriscando deixá-lo transformar-se num armazém de um espólio mineralógico do maior interesse. Penso que a dianteira devia partir do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, em parceria com esta câmara. E, uma vez que este museu deverá continuar a assegurar uma componente pedagógica, nada melhor do que pedir a colaboração da Agência Ciência Viva, com décadas de sucesso na arte de divulgar ciência e tecnologia.

O que tem de especial o Museu do Quartzo?
É um nunca mais acabar de razões. À cabeça, digo já que é o único museu do mundo dedicado a uma só espécie mineral. Depois, porque o quartzo é a espécie mineral mais abundante à superfície da Terra e porque é o mineral com o maior número de variedades e modos de ocorrência. Tão grande que, por mais espaço que haja no museu, há sempre necessidade de o alargar para receber as muitas e muitas que ficam por arrumar. Posso, ainda, dizer que, como valor histórico, a variedade microcristalina, sílex, foi a primeira matéria-prima da sociedade humana. A tudo isto acresce a diversidade, a importância económica e o grande número de indústrias baseadas no quartzo, com destaque para a vidraria, cristalaria, electrónica, relojoaria, fundição, refractários e isoladores, porcelanas, faianças e azulejaria, óptica e fibra óptica, química (com múltiplas derivadas), silicones, plástico, borracha, joalharia e bijuteria.

Este museu tem o seu nome…
O museu chama-se Museu do Quartzo. Acontece que a Câmara Municipal de Viseu, que o tutela, entendeu agradecer o meu trabalho, ao longo de 17 anos, sempre pro bono, acrescentando-lhe a designação: Centro de Interpretação Professor Galopim de Carvalho.

E isso deixa-o contente?
Com certeza que sim. Nada como ver os sonhos transformados em realidade.

Julgo saber que também escreveu um livro sobre o quartzo, que ainda não foi publicado.
Sim. O título poderá ser simplesmente Quartzo; ainda não tenho a certeza do título. É um texto pedagógico, simples, mas cientificamente rigoroso, sobre esta espécie mineral e as suas muitas variedades, complementado com os aspectos referentes à sua utilização nos mais variados campos da tecnologia e da arte. Tem a colaboração do meu filho Rui Galopim de Carvalho, na importante componente gemológica. Tenho por fundamental a edição de uma versão em português e outra em inglês. Para tal, preciso de financiamento para mandar fazer a tradução para inglês, cabendo-nos a nós assegurar a revisão científica. Este livro deveria ser comercializado pela autarquia, em especial na pequena loja do museu, mas também no circuito comercial nacional e estrangeiro. Estou à espera que a Câmara de Viseu se decida a publicá-lo. Volto a afirmar que a utopia é o motor que transforma os sonhos em realidade.

https://www.publico.pt/2023/11/26/ciencia/entrevista/galopim-carvalho-utopia-motor-transforma-sonhos-realidade-2070228

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