terça-feira, fevereiro 14, 2023

Ainda em estado de choque: Abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa

O meu alinhamento noticioso, hoje: ainda o relatório da Comissão Independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica (IC). Continuo ainda em estado de choque: um choque pela confirmação com factos provados de um problema que julgava pertencer a um passado longínquo, do século XIX, o mais recente.
Em choque, por haver, bispos (não me merecem qualquer deferência) que se recusaram a falar com a Comissão Independente.
Em choque, por ter ouvido aos responsáveis máximos da IC que ainda vão pensar o que vão fazer nos casos dos padres abusadores que se encontram atualmente no ativo.
Em choque por tantos anos de encobrimento, de varrer para debaixo do tapete, um sério e grave problema, sem o enfrentar de face levantada, de forma transparente e responsável, como devem fazer todos os seres humanos idóneos que zelam pela educação e crescimento de outros.
Em choque por não saber ainda o que significa a "tolerância zero" de que falava o presidente da Comissão Episcopal. Cada minuto que passa, é uma eternidade perdida.
Em choque por não haver ainda bispos a assumir as suas responsabilidades, a demitirem-se.
Em choque por haver ainda quem achasse que estas dolorosas e insuportáveis revelações iriam passar ao lado das JMJ. Não pode acontecer isso. É a dignidade humana que está em causa!! A nossa dignidade coletiva!!
Os portugueses e as portuguesas precisam de, merecem outros, ou outras, responsáveis na Igreja Católica.
As JMJ serão uma grande oportunidade para falar sobre as fragilidades da IC, das mudanças necessárias, para limpar o mofo de um clericalismo bafiento e machista que ainda domina muitas das suas instâncias. Serão certamente uma grande oportunidade para um público pedido de desculpa às vítimas - e que importante isso é!! Mas também uma enorme oportunidade para abrir janelas, para deixar entrar o ar e sol. Para a renovação imprescindível.
Isto sou eu, com o meu "wishful thinking", a precisar de manter a Esperança, aquela que é sempre a última a morrer, e a pensar na urgência da abertura da IC às mulheres em todas as instâncias - desde a sua ordenação no sacerdócio, até puderem chegar a cardeais e serem eleitas Papa - numa igreja mais colegial e democrática, de laços humanos e comunitários ao serviço dos que mais precisam.
Uma igreja que seja verdadeiramente humana, em que a dignidade do Ser Humano e o Amor, em todas as suas dimensões, incluindo a da sexualidade, prevaleçam.
Uma igreja onde os "pecados da carne", como os crimes que foram confirmados ontem - são estes os "pecados da carne"! - não tenham lugar e sejam completamente banidos. É crime, é um "pecado" contra a dignidade humana! Este é o tipo de crimes que não deveria prescrever, nem aos 30 anos da vítima. Nem 30 anos depois de ter ocorrido. Nem na Igreja Católica. É um crime contra a dignidade humana. Ponto!!
Agora é necessário cuidar das vítimas!!
Tomar medidas!! Apoiar e acompanhar as vítimas!! Tomar medidas!! Apoiar e acompanhar as vítimas!! Tomar medidas!! Apoiar e acompanhar as vítimas!! ...
Um enorme agradecimento, em primeiro lugar, a todas as vítimas que tiveram a coragem de falar e de denunciar aquilo por que passaram. Não consigo imaginar como terá sido difícil e doloroso reviver as situações relatadas!! Estão a dar um enorme contributo para resolver este flagelo.
Um enorme agradecimento, também, a cada um dos membros da Comissão Independente, pelo trabalho exemplar que realizaram. Seria difícil fazer melhor. Imagino como terá sido difícil este processo à medida que se confirmavam os casos e se iam confrontando com a dimensão de tão dura realidade. Apreciei muitíssimo a postura e o quererem envolver a IC, e ajudá-la, na resolução desta tragédia.
[Atualização: às 15h15, 14/02/2023]
Nota 1: Bem sei que as questões da pedofilia não dizem apenas respeito à IC, mas a IC deveria saber dar o exemplo como regulador das consciências que se quer afirmar em questões espirituais e existenciais, ditando e escrutinando a moralidade dos comportamentos dos homens e das mulheres deste tempo. Tem que começar por dentro e tomar medidas sérias e firmes no seu interior, em grande profundidade, para evitar ao máximo estas situações.
Nota 2: Declaração de interesses - nasci numa família muito católica, mas muito aberta ao mundo, que me ensinou o caminho da autenticidade, da verdade e da preocupação com os outros, sobretudo com os mais vulneráveis. Passei por grupos de jovens paroquiais e pela Ação Católica, onde fiz muitos amigos e amigas, nos meus tempos de juventude. À medida que fui crescendo e me tornei adulta, foi sendo para mim cada vez mais difícil suportar a discriminação das mulheres na IC e a hipocrisia relativamente à sexualidade, aos "pecados da carne". Felizmente, fui também encontrando pessoas, padres, freiras e muito amigos e amigas, que sendo críticos marginais em relação à IC, tal como eu, me ajudaram a manter a fé nos Seres Humanos, a partir dos verdadeiros ensinamentos de Jesus Cristo, mas não só.
 
 
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