Soubemos ainda que o FMI, no seu novo relatório sobre o nosso país, preconiza mais uma redução das despesas na educação - http://www.publico.pt/sociedade/noticia/fmi-considera-que-ainda-ha-professores-a-mais-em-portugal-1696059
Uma prescrição que se fundamenta em dados de decrescimento demográfico (previsão da diminuição do número de alunos no ensino básico e secundário), bem como na lentidão da melhoria dos indicadores alcançados referentes aos últimos anos de maior investimento, tanto na educação, como em ciência e investigação (até 2011). As pessoas não são máquinas e os resultados em educação demoram tempo a surgir, tanto mais numa situação de grande instabilidade política e de mudança de políticas, como aconteceu nos últimos anos.
Esta semana ocorreu também um importante debate sobre a educação no nosso país, «Pensar a Educação - Portugal 2015», promovido pelo Grupo Economia e Sociedade, coordenado pela Prof.ª Manuela Silva. No documento de apresentação deste grupo sublinha-se a relevância da educação para um projeto de desenvolvimento do país.
De acordo com o relatório apresentado para a Educação Obrigatória, no âmbito deste grupo de investigação, foram dados enormes passos nos últimos 40 anos, desde a implementação da democracia, em Portugal:
«De facto, após a quase universalização da frequência escolar no grupo etário de 12-14
anos na década de 90, a década seguinte assistiu a um progresso significativo na
escolarização da população de 15-17 anos. Assim, nos marcos censitários de 1991, 2001
e 2011, os valores da escolarização bruta no nível etário de 15-17 anos, ou seja, da
frequência total neste grupo etário independentemente do nível escolar frequentado,
evoluíram de 62,5% para 81% e para 93,2% no Continente, de 48,8% para 74,3% e para
92,7% na Região do Norte, a NUTS II com valor de partida mais baixo, e de 31% para
60,5% e para 90% no Tâmega, a NUTS III com valores mais baixos. A evolução geral é
acompanhada de uma redução das disparidades territoriais.» (p. 12)
Complemento estes dados com outros sobre o investimento feito na educação, dados da execução orçamental em função do PIB. Passámos de uma percentagem de 1,3%, anterior ao 25 de abril de 1974, à de 3,7% no final de dácada de oitenta. Só em 2000 esse valor atingiu os 4,8% e os 5% em 2001.
(Pordata - http://www.pordata.pt/Portugal/Despesas+do+Estado+em+educa%C3%A7%C3%A3o+execu%C3%A7%C3%A3o+or%C3%A7amental+em+percentagem+do+PIB-867, em 23/05/2015)
A evolução da taxa de analfabetismo em Portugal:
(PORDATA. Recolhido em http://www.pordata.pt/Portugal/Taxa+de+analfabetismo+segundo+os+Censos+total+e+por+sexo-2517, a 20/05/2015)
Houve pois uma enorme evolução nos indicadores referentes à educação no nosso país no que diz respeito à efetiva frequência e conclusão da escolaridade obrigatória, à diminuição das taxas de analfabetismo e do abandono escolar.
Estes dados não deixam de ser interessantes se considerarmos que continuamos com taxas de investimento em educação abaixo dos restantes países ocidentais, de acordo com os dados disponíveis da OCDE e do Eurostat. Ver gráficos abaixo:
(OCDE (2014). Education at a glance, p. 222, recolhido em http://www.oecd.org/edu/Education-at-a-Glance-2014.pdf, a 20/05/2015)
Despesas com Educação (em percentagem do PIB)
(Eurostat: recolhido em http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/File:Public_expenditure_on_education,_2010_(1)_(%25_of_GDP)_YB14.png, a 23/05/2015)
De acordo com os dados acima, referentes a 2011 (OCDE) e 2010 (Eurostat), o investimento de Portugal em Educação é da ordem dos 5%, ligeiramente acima da média da UE (27).
Apesar de os indicadores terem melhorado significativamente, o nosso país continua a ser um dos que tem menor percentegem de jovens adultos, de idades compreendidas entre os 30 e os 34 anos, com um curso superior, de acordo com dados do Eurostat (2012). Continuamos pois longe das médias europeias no que se refere à meta estabelecida para 2020. (Ver notícia relacionada: http://www.publico.pt/sociedade/noticia/portugal-aumenta-numero-de-licenciados-mas-continua-longe-da-media-europeia-1631930)
(Eurostat: recolhido em http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/File:Proportion_of_the_population_aged_30_to_34_having_a_tertiary_educational_attainment,_2012_(1)_(%25)_YB14_I.png, a 23/05/2015)
Outro indicador significativo é relativo ao abando escolar antes da conclusão do ensino secundário («Early leavers from education and training»). Somos o terceiro país com o maior indíce de abandono escolar, cerca de 20%, depois de Espanha e de Malta. Vale a pena lembrar que a escolaridade obrigatória passou para os 18 anos, em 2009, ou seja, até ao 12.º ano.
(Eurostat: Early leavers (2012) - http://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/File:Early_leavers_from_education_and_training,_2012_(1)_(%25_of_population_aged_18-24)_YB14_I.png, recolhido a 23/05/2015)
Assim, perante estes dados e face às medidas aconselhadas pelo FMI neste último relatório, pergunto quais os projetos de desenvolvimento e as perspetivas que se antevêm para Portugal, para os portugueses: regressarmos às décadas de 60 e 70, continuando a emigrar para voltarmos a ser os trabalhadores não qualificados da zona euro? Aumentar ainda mais as desigualdades sociais entre os muito ricos e os muito pobres?
Ninguém é capaz de explicar a estes senhores que:
- vimos, historicamente falando, de décadas de analfabetismo e de desinvestimento na educação, na cultura, na ciência e na investigação, ao contrário do que aconteceu na maior parte dos países da UE?
- a democratização do acesso à educação no nosso país é um fenómeno muito recente e com resultados (muito) positivos?
- o decrescimento demográfico e consequente diminuição da necessidade de professores, pode ser um desafio que contribua positivamente para a qualidade da educação, beneficiando alunos com NEE e aqueles que têm maiores dificuldades de aprendizagem?
Remeto aqui para o muito recentemente publicado poema de Manuel Alegre:
Resgate
Há qualquer coisa aqui de que não gostam
da terra das pessoas ou talvez
deles próprios
cortam isto e aquilo e sobretudo
cortam em nós
culpados sem sabermos de quê
transformados em números estatísticas
défices de vida e de sonho
dívida pública dívida
de alma
há qualquer coisa em nós de que não gostam
talvez o riso esse
desperdício.
Trazem palavras de outra língua
e quando falam a boca não tem lábios
trazem sermões e regras e dias sem futuro
nós pecadores do Sul nos confessamos
amamos a terra o vinho o sol o mar
amamos o amor e não pedimos desculpa.
Por isso podem cortar
punir
tirar a música às vogais
recrutar quem os sirva
não podem cortar o verão
nem o azul que mora
aqui
não podem cortar quem somos.
Do último livro de poemas do Manuel Alegre «Bairro Ocidental» ed. D.Quixote
P.S. (1) - Coincidência, ou não, esta semana realizaram-se também as provas finais de ciclo do 1.º e do 2.º ciclos do ensino básico. Os meus alunos, para não perturbarem as provas finais dos seus colegas do 4.º ano, ficaram em casa duas manhãs. Eu, nesta "normalidade absurda" em que vivemos, tive que ir fazer substituições em turmas do 5.º e 6.º ano de escolaridade, uma vez que os seus professores estavam a fazer a vigilância dos exames. As provas finais não podem ser vigiadas pelos professores do mesmo ciclo de ensino. Será que houve pais a apresentarem reclamações no «Livro Amarelo», por os seus filhos terem ficado sem aulas, nos dias dos exames?
P.S. (2) - O link para um interessante artigo de David Rodrigues sobre os próximos investimentos em educação, «Educação 2020» - http://www.publico.pt/sociedade/noticia/educacao-2020-1696234?frm=ult
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